“A posição do governo brasileiro é fundamental para o que vai acontecer na Venezuela”, diz líder opositora

“A posição do governo brasileiro é fundamental para o que vai acontecer na Venezuela”, diz líder opositora

María Corina Machado afirma que o presidente Nicolás Maduro não tem mecanismos legais para impedir a transição política no país, mas que pode tentar fazê-lo à força

Maria Corina Machado, política venezuelana (Miguel Gutierrez/AFP/VEJA)
Maria Corina Machado, política venezuelana (Miguel Gutierrez/AFP/VEJA)

Por: Diogo Schelp, de Caracas
VEJA.com

A ex-deputada venezuelana María Corina Machado teve o seu mandato cassado, em rito sumário, sem votação dos pares ou direito a defesa, e foi impedida de se candidatar na eleição deste domingo, 6, na Venezuela, vencida pela oposição. Apesar disso, Corina continua sendo uma voz influente entre aquelas que se opõem ao chavismo. Ela concedeu a seguinte entrevista nesta quarta-feira (9/12):

A oposição, com o mandato popular que recebeu para a Assembleia Nacional, deve trabalhar para a convocação de um referendo revogatório, para destituir Maduro da Presidência?

MARÍA CORINA: A Venezuela não votou por uma mudança de cor ou de rostos, mas por uma mudança de modelo político, de valores, de regime. E o comportamento dos últimos dias de Maduro mostra que ele não entende o que o país quer. Estamos às portas de uma crise humanitária. As reformas econômicas de que o país precisa são tão profundas e institucionais que exigem um grande acordo nacional, desde já acompanhadas de reformas políticas. A Venezuela vive uma situação de urgência. E o regime não consegue entender que foi isso que aconteceu no domingo. O próprio Maduro e seu regime fizeram das eleições um plebiscito. Não foi iniciativa da oposição. E a figura que usaram foi a de Chávez. Não de Maduro. Você viajava pelo país e tudo o que se via em toda parte era a imagem de Chávez. De modo que não foi um voto apenas contra Maduro. Foi contra o sistema, contra o modelo que durante 17 anos destruiu o país. Por isso a transição para a democracia é inadiável. A Assembleia pode iniciar processos muito importantes, por exemplo na recuperação da institucionalidade dos poderes públicos. Muitos dos que estão à frente dos poderes públicos foram nomeados contrariando o procedimento constitucional. A questão não é destituí-los, é desfazer essas nomeações inconstitucionais. A Assembleia também pode legislar em temas fundamentais, com efeitos econômicos e sociais positivos. O que a Venezuela clama, hoje, é por uma mudança que transcenda a Assembleia Nacional e inclua o Poder Executivo. Quais vão ser os mecanismos para isso? Há muitos. Há o referendo, há a possibilidade de se convocar a Assembleia Constituinte. Eu, particularmente, tenho insistido que o mecanismo menos traumático para o país, que dará mais estabilidade, é um processo de transição que parta da iniciativa do próprio Maduro. Defendo que ele reconheça que perdeu, que foi derrotado nesse plebiscito e que pelo bem da Venezuela e por seu próprio bem saia pela via da renúncia.

Maduro já disse que vai utilizar o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que é controlado pelo chavismo, para evitar que a Assembleia faça qualquer mudança. O que a oposição pode fazer para evitar que ele crie esse impasse?

Lembre-se que a maioria da Sala Constitucional (o TSJ é divido em seis “salas” especializadas, com diferentes atribuições) está para ser nomeada agora pela Assembleia que está de saída. Um parlamento moribundo, que se encerra em menos de um mês, não pode contestar a legitimidade de uma nova Assembleia, criando condições para emperrar sua atuação. No mundo inteiro isso é inconcebível. Além disso, nomear esses magistrados sem a maioria qualificada viola a constituição. Portanto, são atos de nulidade absoluta. Uma nova Assembleia pode simplesmente revogar essas nomeações, porque são absolutamente inconstitucionais. Institucionalmente, Maduro não tem os mecanismos para impedir que essa transição avance. Que ele o faça à força, isso é algo que provavelmente considera, mas que nem a Venezuela, nem os venezuelanos, nem o mundo democrático vai aceitar.

No dia das eleições, o ministro da Defesa foi à TV dizer que as forças armadas não permitiriam atos de violência após a divulgação dos resultados, o que foi compreendido como uma posição de aceitar os resultados. Isso é um sinal de que Maduro terá dificuldade para usar a força contra as decisões da Assembleia?

Sim. É evidente que houve uma pressão de baixo para cima. Os cidadãos militares têm famílias que estão passando fome, devido à situação econômica do país. Há fatos escandalosos de corrupção e de vínculo com o crime organizado e o narcotráfico internacional. E esses militares sabem que a maioria está a favor de uma mudança política. Esse é um regime que perdeu toda a sua legitimidade para governar. Por três razões: porque arruinou o país em meio a uma bonança petroleira, porque violou os direitos humanos de maneira sistemática e massiva, e porque tem ligações com o crime organizado e a corrupção internacional. A prática de recorrer à legitimidade de base em eleições fraudulentas, o que lhes dava uma certa fachada pseudodemocrática, também desmoronou. O regime hoje não tem legitimidade alguma.

A reação do governo até agora reflete desespero?

Com certeza. Demonstra que é um governo que está nu, que vê sua natureza exposta, sem respaldo popular, e que pretende aferrar-se à força ao poder.

O que Maduro pode tentar fazer para dividir a oposição na Assembleia?

Com essa maioria qualificada é muito difícil, porque a pressão dos cidadãos no sentido contrário nos manterá coesos. A oposição forma uma coalizão democrática e plural. Não é como o PSUV (o partido do governo), em que não se admite nenhuma voz dissidente. Uma coalizão democrática tem vozes distintas. Mas o propósito comum está muito claro, que é conseguir uma transição para a democracia de maneira pacífica.

Em quanto tempo você estima que essa transição vai ocorrer?

Eu creio que Maduro, com a postura de confrontação que adotou após as eleições, está acelerando o processo. Qualquer regime com um mínimo de consciência e sensatez, ao receber uma mensagem dessa magnitude nas urnas, mudaria a maneira de agir. Eu dizia no dia da eleição: o número de deputados vai definir a Assembleia, mas o número de votos nacionais define para onde vai a Venezuela. E para onde vai o regime de Maduro. Foi tão contundente, tão monumental esse respaldo, que qualquer pessoa com um mínimo de decência diria “acabou, agora é preciso mudar”. E esperamos que seja uma mudança pacífica, constitucional, fortalecendo as instituições, não as atacando. Por isso, hoje, mais do que nunca, a posição da comunidade internacional é fundamental. A posição do governo do Brasil é fundamental. A posição do secretário-geral da OEA foi muito clara, muito firme e muito valente. Acho que houve uma mudança substancial dos governos da América Latina, diante da necessidade de um processo de mudança que evite o caos maior na Venezuela e que seja uma fonte de estabilidade para toda a região.



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