“Carros-robôs são falíveis”, diz engenheiro da Ford

“Carros-robôs são falíveis”, diz engenheiro da Ford

Para o gerente de desenvolvimento Thomas Lukaszewicz, falta discutir quem um veículo autônomo deverá salvar — ou ferir — num acidente inevitável

Thomas Lukaszewicz, chefe de desenvolvimento da Ford na Europa, em visita ao Brasil. “Carros autônomos não são infalíveis”, diz (Foto: Divulgação)
Thomas Lukaszewicz, chefe de desenvolvimento da Ford na Europa, em visita ao Brasil. “Carros autônomos não são infalíveis”, diz (Foto: Divulgação)

Ao lançar o Modelo T por US$ 850, em 1908, Henry Ford inventou o carro como o conhecemos: um meio de transporte particular, que a pessoa compra e dirige. A ideia tornou-se tão popular que moldou a sociedade e o planejamento urbano. A popularidade foi tamanha que, cem anos depois, chegou à exaustão. O trânsito das megacidades não comporta tantos carros. Parado em congestionamentos, o automóvel não é mais sinônimo de liberdade e conforto. Pela primeira vez desde o lançamento do Ford T, jovens escolhem não dirigir. Prefeituras estão fechando espaços antes reservados aos carros, em favor de cidades caminháveis. Para não desaparecer junto com o carro particular, a Ford — a exemplo de outras montadoras, como a Volvo, e gigantes da internet, como Google e Tesla — desenvolve carros sem motorista. Os primeiros modelos devem chegar ao mercado em meados de 2020. Até lá, essas empresas enfrentam desafios não apenas técnicos, mas filosóficos. Gerente de pesquisa e desenvolvimento de carros autônomos da Ford na Europa, o engenheiro Thomas Lukaszewicz diz que a sociedade precisa discutir questões impopulares, como quem um carro deve salvar, se tiver que escolher entre duas pessoas. Acompanhe, a seguir, a entrevista que Lukaszewicz concedeu à Revista Época:

ÉPOCA — O motorista poderá abrir mão da responsabilidade pelos atos do carro e dormir, após ativar o piloto automático?

Thomas Lukaszewicz — Não sabemos. O departamento de trânsito dos Estados Unidos criou uma escala de autonomia dos carros. A definição de um carro semiautônomo diz que ele “deve devolver o controle em uma certa quantidade de tempo”. Precisa devolver em 20 segundos? Em 20 minutos? O que isso quer dizer exatamente, não está claro. A transferência de responsabilidades é uma zona cinza. Há uma enorme empolgação sobre os carros autônomos. O público, empresas de tecnologia, montadoras, todos estão empolgados discutindo possibilidades. Mas ainda não discutimos questões agressivas e difíceis. Elas precisam de resposta em primeiro lugar. E ainda não temos. Simplesmente, não temos.

ÉPOCA — Quais dúvidas precisam de resposta?

Lukaszewicz — As questões éticas. Se o carro autônomo tem um potencial de se envolver em acidentes, precisamos discutir quais vidas ele vai proteger em primeiro lugar. Um gato, um idoso ou uma criança. O que fazer? Você não pode mais evitar o acidente. Você, como humano, toma uma decisão e assume a responsabilidade. Como um carro deveria decidir? Quem é responsável por essa decisão e como essa decisão será tomada? Há muitas, muitas perguntas difíceis sem resposta. Quem paga a indenização por um acidente desses? Quem é responsável? Não é algo que uma montadora possa responder sozinha. Precisa vir de uma cooperação. Governos, fornecedores de peças, todos precisam sentar-se à mesa.

ÉPOCA — Muitos acham essa discussão desnecessária, por entender que os carros autônomos são imunes a acidentes. Eles são infalíveis ou podem ser pegos de surpresa?

Lukaszewicz — Eles não são infalíveis. Na cidade, pedestres podem estar escondidos atrás de ônibus. Com a tecnologia atual, o carro autônomo não pode andar a mais de 100km/h. Numa velocidade maior, os radares não poderiam fornecer informações redundantes, necessárias para dar segurança a uma manobra. Na estrada, em especial nas da Alemanha, sem limite de velocidade, um carro autônomo a 80km/h pode ser surpreendido por outro, a 250km/h. Mudanças de faixa são manobras bastante desafiadoras.

ÉPOCA — Como evitar as limitações dos carros autônomos?

Lukaszewicz — Criar faixas exclusivas para carros autônomos seria a primeira forma de lidar com os riscos envolvidos. Na Califórnia, a faixa da esquerda é reservada a quem dá carona ou tem carro elétrico. Poderia receber carros autônomos, também. São Paulo poderia fazer o mesmo nas vias marginais. Na cidade, será tudo mais difícil.

ÉPOCA — O que falta aos carros autônomos nas cidades?

Lukaszewicz — Os carros autônomos conseguem identificar os personagens do trânsito, mas ainda não têm habilidade de interação. Um motorista consegue negociar espaços ou prever manobras ao redor, ao trocar olhares com ciclistas, pedestres e outros motoristas. É muito interessante quando um carro autônomo quer entrar em um congestionamento, ou uma estrada movimentada. Humanos dialogam ao manobrar com maior agressividade ou prudência. Sem se dar conta, motoristas usam uma base de informações riquíssima para orientar sua relação com outros personagens do trânsito. Se a placa do carro é de outro estado, provavelmente aquele motorista conhece menos o caminho. Carros com crianças sugerem a necessidade de maior cautela. Um carro autônomo custa a entender o que os outros vão fazer. Quando tivermos um protocolo de troca de informações entre carros autônomos, será simples. Quando o primeiro da fila frear, o último saberá disso instantaneamente. Mas como fazer antes da criação desse protocolo? Como autônomos poderão conversar com humanos?

ÉPOCA — Quando motoristas serão banidos, por trazer imprevisibilidade ao trânsito, da forma que os cavalos foram, décadas atrás?

Lukaszewicz — É uma questão bem importante. Não sabemos como será a convivência entre humanos e robôs motoristas. Os humanos vão colaborar ou provocar o robô? É uma questão de comportamento social. Não sabemos a resposta.

ÉPOCA — Onde desenvolver o carro do futuro, num planeta que se desenvolveu em torno do carro particular?

Lukaszewicz — A Ford encontrou essa resposta em Londres, na Inglaterra. Londres é um ótimo laboratório porque não foi criada para o automóvel. Foi criada para os cavalos. Não há áreas específicas para os carros e tudo fica subaproveitado com eles lá. Estamos pesquisando como achar uma vaga de estacionamento. É incrível o tempo e a distância gastos na busca por um lugar para parar. Como combinar meios de transporte, com bicicleta para o quilômetro final da viagem e algo como um ônibus para os bairros distantes? Toda a cadeia de meios de locomoção está mudando. O carro autônomo seguirá o modelo atual, no qual eu compro, eu dirijo e eu estaciono? Essa é a nossa pergunta hoje.



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