“Nem tudo que é legal e que está sob o amparo da lei é ético e justo”, diz a Dra. Carla de Almeida

“Nem tudo que é legal e que está sob o amparo da lei é ético e justo”, diz a Dra. Carla de Almeida

Por David Ribeiro Jr.

No último dia 23 de março, uma quinta-feira, a Dra. Carla de Almeida Gonçalves, que já havia se especializado em Direito Público em 2011, defendeu junto a uma banca examinadora da Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), em Buenos Aires, a sua tese de doutorado em Ciências Sociais e Jurídicas com o tema “O Princípio da Supremacia do Interesse Público e o Seu Impacto nos Direitos Fundamentais. Uma Visão Crítica e Comparada Sobre os Paradigmas entre Brasil e Argentina” (leia mais aqui). Conforme prometido pela Dra. Carla, ainda quando estava na Argentina, na última semana ela recebeu a equipe do minasreporter.com em seu escritório, ocasião em que nos concedeu uma ampla e detalhada entrevista sobre a sua tese e os desdobramentos do tema. A Dra. Carla explicou que nos dias atuais é preciso tomar muito cuidado para que o chamado “Interesse Público” não seja confundido com o interesse do administrador público. Vale muito a pena acompanhar o bate-papo que tivemos.

Leia a íntegra da entrevista, a seguir:

Para a Dra. Carla de Almeida, que acaba de concluir o seu doutorado em Ciências Sociais e Jurídicas, é preciso tomar muito cuidado para não confundir "interesse público" com o "interesse do administrador público" (crédito: Boy Fotógrafo)
Para a Dra. Carla de Almeida, que acaba de concluir o seu doutorado em Ciências Sociais e Jurídicas, é preciso tomar muito cuidado para não confundir “interesse público” com o “interesse do administrador público” (crédito: Boy Fotógrafo)

minasreporter.com — A senhora optou por estudar Direito quando já tinha uma carreira consolidada como principal braço-direito do seu esposo, o vereador Gilson Dentista. Por quê?

Dra. Carla: Na verdade, não existe um único porquê, um único motivo ou razão. Eu penso que uma série de fatores contribuiu para essa minha escolha. Se bem que, sendo bastante sincera, eu comecei a me interessar ainda mais pelo Direito em 1996. Naquela ocasião, você se lembra bem, o meu esposo, o vereador Gilson Dentista, foi campeão de votos em sua primeira disputa para a Câmara Municipal, mas não foi eleito por causa do coeficiente eleitoral. Como nem o Gilson nem eu somos pessoas de desistir facilmente, naquele momento começamos a estudar mais para entender com maior profundidade a legislação eleitoral, pois não queríamos nos sujeitar a outro erro daquele. E, graças a Deus, e aos eleitores, Gilson voltou a disputar, foi eleito e reeleito várias vezes, estando atualmente em seu quinto mandato parlamentar.

minasreporter.com — Mas, entre aquela primeira experiência e seu ingresso na Faculdade de Direito decorreram vários anos…

Dra. Carla: Sim, é verdade. Entenda bem: depois que o Gilson foi eleito, eu sempre fiz questão de acompanhar de perto o seu mandato. Lá na minha casa a gente é uma família muito unida, e o Gilson e eu temos, inclusive, passado estes mesmos valores para os nossos filhos Milena, que já se formou em Odontologia, e Alípio, que atualmente cursa Medicina. À medida que eu comecei a conviver com a política por dentro, ou seja, fazendo parte de partido, acompanhando o dia a dia dos corredores do Poder Público, vi que nem tudo é como gostaríamos que fosse. A minha convivência com a política me fez entender que, infelizmente, nem tudo que é legal e que está sob o amparo da lei é ético e justo. E, do mesmo modo, infelizmente, nem tudo o que é certo, justo, moral e ético é permitido por lei. Parece até uma contradição, mas é exatamente assim que funciona o ordenamento jurídico brasileiro. Foi então que decidi que queria ser uma operadora do Direito. Não queria apenas conviver com a política. Eu queria fazer diferença na política, mesmo que apenas nos bastidores, porque quem tem que ficar sob os holofotes é o meu marido. Desde então decidi ingressar na carreira jurídica pela porta da frente, desde o primeiro momento já visando me especializar em Direito Público.

minasreporter.com — Em sua tese de doutorado a senhora afirma, já no título do trabalho, que o Princípio da Supremacia do Interesse Público “impacta” os Direitos Fundamentais. Por favor, explique isso para o nosso leitor leigo.

Dra. Carla: Ok! Vamos por partes. Primeiro: o que é o Princípio da Supremacia do Interesse Público? Basicamente, é um dispositivo legal que prevê que sempre que houver divergência entre o interesse da coletividade e de um cidadão particular, um único indivíduo, prevalecerá o interesse da coletividade, do todo. Num primeiro momento, isso até parece bom. E, de certo modo, é bom. É a garantia de que, uma vez que vivemos em sociedade, o interesse da sociedade como um todo sempre prevalecerá sobre o interesse de uma única pessoa. O problema é que, uma vez que damos ao interesse público princípio de supremacia, ou seja, de se sobrepor sempre, em quaisquer situações, corremos o risco… aliás, nem corremos o risco… invariavelmente, isso vai ocorrer em algum momento, de o interesse público se sobrepor ao que chamamos de direitos fundamentais. Os direitos fundamentais do indivíduo, também chamados de direitos universais, incluem, por exemplo, o direito à propriedade. Graças ao direito da propriedade, se você adquire um lote de terra, por menor que seja, legalmente, e paga os impostos corretamente, ele é seu por direito, e pronto. Porém, se houver o que chamamos de um interesse público na sua propriedade, o administrador público pode desapropriar a sua área, claro que sob uma remuneração, e declará-la de interesse público para utilização em outra finalidade diferente daquela que você usava ou planejava usar.

minasreporter.com — Isso é controverso. Essa discussão pode render muito…

Dra. Carla: Muito, mas muito mesmo. Imagina, você, o prejuízo social que pode ocorrer se um administrador público, seja ele prefeito, governador ou presidente da República, por exemplo, por puro revanchismo, resolver decretar uma área privada como de interesse público apenas para se vingar do seu oponente político? E, mesmo que não seja o caso de revanchismo, e se o administrador, no afã de construir um shopping center, ou mesmo um hospital, que em tese é de interesse público, quiser desapropriar uma área do particular apenas para beneficiar um amigo empreiteiro que vai construir a obra?

minasreporter.com Sendo assim, as possibilidades desse princípio se tornar uma ferramenta de opressão são enormes.

Dra. Carla: Sim. É verdade. E eu percebi isso logo que comecei a conviver na vida pública ao lado do meu marido Gilson. Ele, embora tenha cursado Odontologia, que é a sua grande vocação profissional, tem servido à nossa comunidade como agente público, incialmente como vereador, mas não negando a possibilidade de voos mais altos daqui para frente. Eu, de minha parte, quero ajudar a sociedade como operadora do Direito. Quero abrir a mente das pessoas para esses riscos advindos do princípio da Supremacia do Interesse Público, e quero convencer os legisladores neste país de que esta situação precisa mudar. Precisamos construir dispositivos constitucionais que assegurem, de fato e de direito, a inviolabilidade dos direitos fundamentais.

minasreporter.com O princípio do Interesse Público prevalece sempre mesmo? Como a senhora bem lembrou que os direitos fundamentais são direitos universais, eles nunca poderão se sobrepor?

Dra. Carla: Em tese, os direitos fundamentais já são invioláveis. Mas como o princípio da Supremacia do Interesse Público prevê a sua prevalência sempre, a sua supremacia, os direitos fundamentais, eventualmente, acabam suprimidos.

minasreporter.com Em sua tese a senhora compara aspectos comuns da legislação brasileira e da argentina. Os argentinos também sofrem com este mesmo problema?

Dra. Carla: Sim. Infelizmente. A verdade é que no Brasil, embora a nossa atual carta magna, a Constituição de 1988, seja seis anos mais velha do que a da Argentina, que é de 1994, a situação lá é até um pouco mais complicada. Aqui o gestor público tem muito mais dificuldade de disfarçar as suas intenções e interesses pessoais como se fossem do interesse público. Lá na Argentina o cenário é mais propício para esses desvios de conduta. Contudo, de forma geral, esse é um problema dos dois países e de muitos outros mundo afora. Vários doutos juristas respeitados têm defendido que haja algum dispositivo para arbitrar o que é de fato interesse público, e muitos outros defendem que o Interesse Público não pode ser encarado como supremo. Mas, de algum modo, tudo isto, por enquanto, é só interpretação até que se torne realmente lei.

Momento em que Carla defendia a sua tese diante dos integrantes da banca examinadora da Unversidad del Museo Social Argentino
Momento em que a Dra. Carla de Almeida Gonçalves defendia a sua tese diante dos integrantes da banca examinadora da Unversidad del Museo Social Argentino (foto: Arquivo Pessoal)

minasreporter.com — Os desvios de conduta política apurados pela Operação Lava Jato podem se enquadrar no objeto da sua tese?

Dra. Carla: De certo modo, sim. O caso mais específico é o da empresa SeteBrasil, subsidiária da Petrobras, que foi criada única e exclusivamente para que, através dela, se operasse esquemas de corrupção, e que foram escancarados pelo trabalho dos procuradores envolvidos na Operação Lava Jato. Ficaria muito mais barato para a Petrobras, e para o Brasil, terceirizar a construção dos seus navios-sondas para a exploração do petróleo no pré-sal, mas o Governo, com o falso discurso de estar defendendo o interesse público, e apregoando que assim evitaria a concorrência com empresas internacionais, preferiu criar uma empresa estatal apenas para fazer este tipo de serviço. Na verdade, a SeteBrasil acabou se revelando apenas um balcão de negócios escusos e uma forma de político desonesto fazer lavagem de dinheiro. Isso tem que acabar. E tem que acabar em todas as esferas do poder público, desde os negócios bilionários como o da SeteBrasil, como também as pequenas negociatas que ocorrem nas esferas municipais.

minasreporter.com — Mudando um pouco de assunto, o prefeito Daniel Sucupira acaba de completar os seus 100 dias de governo, e tem apresentado uma prestação de contas do período. Como ele pode se resguardar para que esse tipo de coisa, os desmandos da equipe do administrador, não ocorra em seu governo?

Dra. Carla: Veja bem, a minha família apoiou a eleição do prefeito Daniel Sucupira porque acreditamos que, diante do quadro de saúde do ex-prefeito, seria importante pensarmos em dar oportunidade ao erguimento de uma nova liderança política. Uma das coisas que nos chamou a atenção em Daniel é a sua paixão por ser diferente, por fazer diferente e por querer fazer a diferença em favor do povo. Basta você avaliar que, além de apresentar a sua prestação de contas à imprensa, ele quer promover várias reuniões para levar essas informações ao povo da cidade em cada comunidade. É claro que o momento de crise atrapalha bastante que se empreenda um governo como todos queremos; mas eu acredito muito que o prefeito Daniel Sucupira vai escrever o seu nome na história política de nossa cidade como um grande prefeito. E tendo em vista os valores com os quais Daniel foi criado, e que sempre demonstrou preservar na vida pública, tenho certeza de que ele saberá levar em consideração o respeito aos direitos do todo, da coletividade, mas respeitando individualmente aos direitos fundamentais de cada teófilo-otonense.

minasreporter.com Agora que a senhora se doutorou, quais são seus planos para a carreira jurídica?

Dra. Carla: Eu quero muito levar adiante o tema da minha tese como objeto de estudo e de discussão nacional. Para isso, tenho pensado muito sobre os próximos passos: se opto por trabalhar como operadora do Direito defendendo pessoas que, de certa forma, são vítimas da supremacia do Interesse Público, se vou para o Magistério tentar incutir essa ideia nos novos formandos da área, ou se opto, por exemplo, por criar uma ONG ou fundação que ajude a defender maior prevalência dos interesses fundamentais.

minasreporter.com Seja qual for a sua escolha, boa sorte!

Dra. Carla: Obrigada! Obrigada por divulgar esta nossa bandeira que tenho levantado. E aproveito a oportunidade para convidar a todas as pessoas de bem da nossa cidade e de Minas Gerais a se juntarem a mim nesta empreitada de garantir as liberdades individuais do cidadão de bem e os seus direitos fundamentais como inalienáveis, de fato e de direito.



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