Artigo: “Lições de Paris (e de Baga)”, por João Gabriel Fassbender

Artigo: “Lições de Paris (e de Baga)”, por João Gabriel Fassbender

João Gabriel Fassbender Bareto Prates é graduando do 9º Período da Faculdade de Direito Milton Campos (BH/MG) e Ex-presidente do Diretório Acadêmico Orozimbo Nonato, daquela Faculdade (foto: Arquivo Pessoal/facebbok)
João Gabriel Fassbender Bareto Prates é graduando do 9º Período da Faculdade de Direito Milton Campos (BH/MG) e Ex-presidente do Diretório Acadêmico Orozimbo Nonato, daquela Faculdade (foto: Arquivo Pessoal/facebbok)

Por João Gabriel F. B. Prates

Janeiro chega trazendo notícias graves e que inspiram reflexão de todos, enquanto seres racionais que se organizam em sociedade neste mundo. A começar pelo fatídico ataque ao jornal Chalie Hebdo, em Paris. O episódio enseja as mais variadas análises e conclusões, muitas delas apressadas e/ou superficiais. Deve-se orientar a avaliação dos fatos sob duas vertentes que, num ponto, se encontram: primeiro, há pujante o debate acerca da dicotomia liberdade de expressão x liberdade religiosa. Em contrapartida, presente o oportunismo político da situação e a substantiva reação ao atentado, ocasionando lamentáveis cenas e discursos parciais, xenófobos e discriminatórios.

Assim, o problema que de plano se apresenta remonta às prováveis “causas” da ação violenta: as famigeradas charges ofensivas à Maomé, santidade máxima do Islã.  Nesse ponto, importante lembrar que os chargistas do periódico não publicaram desenhos ofensivos aos muçulmanos, como também tirinhas debochando do cristianismo, bem como de negros. Portanto, é aqui que reside o argumento que orienta a primeira vertente de olhar sobre os fatos. Ou seja: até que ponto a imprensa, de modo geral, é livre para editar materiais que ofendem os indivíduos em suas crenças, orientação sexual ou origem étnica? Falar em controle social da mídia no Brasil é uma ofensa e atiça os setores mais conservadores da sociedade, que ladram o discurso de “ditadura comunista” e “censura de esquerda”. Em verdade, a ideia é simples: se proponha a imaginar um jornal, revista ou qualquer outro veículo de comunicação que editasse charges extremamente ofensivas a líderes religiosos — em virtude de suas convicções transcendentais. Você gostaria de ver um cardeal brasileiro ou o líder da sua Igreja desenhado “de quatro”, expondo as vicissitudes mais degradantes? Suponho que não. O Papa Francisco, para muitos o maior estadista da atualidade (basta o fato de ter reaproximado Cuba e EUA…), se manifestou, condenando os assassinatos e fazendo constar que, de outro lado, a religião merece respeito, não podendo ser insultada. Por fim, quanto ao nosso país, ambos os direitos são constitucionalmente garantidos (Art. 5º, IV – liberdade de expressão e VI – liberdade religiosa) devendo-se proceder à chamada ponderação de interesses, quando contrapostas as garantias fundamentais.

Em seguida, tem-se o aproveitamento sorrateiramente oportuno do bloco ocidental sobre o atentado, pelo que se deve tomar muito cuidado ao tomar partido nessa história.

Isso porque se engendrou uma meticulosa onda de apoio aos mortos no ataque, e à França, via de consequência, de modo que o mundo todo “subiu” a tag #JesuisCharlie, nas redes sociais, a fim de manifestar sua solidariedade. Todavia, esse mesmo movimento por muitas vezes beira o extremismo – o mesmo radicalismo abominado por todos que se comoveram com as mortes – gerando ódio aos muçulmanos que passaram a sofrer, no Brasil e no mundo, represálias e ataques, pelo simples fato de seguirem uma religião. Destarte, é preciso esclarecer que, apesar do que a maioria pensa, o Islã não é uma seita violenta, pelo que há, sim, segmentos radicais e que praticam atos terroristas com alguma frequência. Entretanto, vulgarizar todos os islamitas, atribuindo-lhes a alcunha de criminosos é, aí sim, um ato de extrema intolerância e ingenuidade. Tanto assim que muitos nigerianos, boa parte também muçulmanos, tem sofrido com os ataques do Boko Haram, grupo armado que deseja implantar um Estado Islâmico no país. Para se ter uma ideia, em uma ação perpetrada nas cidades de Baga e Doron Baga estima-se um total de 2 mil mortos. Isso mesmo: 2 mil mortos! Outro levantamento dá conta de que este grupo matou nada mais nada menos que 10 mil (dez mil!) nigerianos em 2014. Por óbvio não se pretende aqui mensurar a importância de cada vida francesa, em comparação com os assassinados na Nigéria, mas é latente a necessidade de se refletir criticamente sobre a repercussão que as 12 mortes europeias teve sobre as africanas. Em apoio aos irmãos d’África, criou-se a tag #Bagatogether.

Em conclusão, A tragédia do Charlie Hebdo Officiel já deixou sua marca indelével na história do mundo moderno. A “questão árabe”, como trazem os livros de geografia, há muito pauta o debate internacional e atrai a atenção de muitos países ocidentais, em especial pelo que representam muitos desses países no mapa geopolítico. Assim, os muçulmanos — e seus poços de petróleo — sempre pulularam no noticiário. Para além do histórico de tensões havidas entre árabes e ocidentais (EUA e França, em especial) o momento é de calma. Principalmente da nossa parte, brasileiros “desinteressados” no conflito, que não podemos nos levar pelo discurso rasteiro que generaliza e incrimina indivíduos pela religião que seguem. Nem ao menos sabemos a real motivação dos ataques — apesar da provável represália às famigeradas charges — uma vez estarem mortos os terroristas. Também não se pode aceitar que um veículo de comunicação hostilize quaisquer segmentos, seja a ofensa de cunho religioso, étnico, sexual… Como bem disse a querida Andréa Pachá (juíza no Rio de Janeiro e escritora, replicando dizeres do Prof. Renato Janine Ribeiro (USP): “Uma distinção importante: liberdade de expressão NAO é apologia ao crime. Quem defende o terrorismo é criminoso”. É, também, como vi por aí: ” Há uma explicação para essas ações, apesar de não haver justificativa…”

De minha parte, abomino a ação dos assassinos e desejo, fortemente, que minha religião e seus símbolos sejam devidamente respeitados.



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